“Na perspectiva freudiana, o homem é o sujeito preso e torturado pela linguagem”. (Jacques Lacan)

 

Jacques Lacan apropria-se de conceitos da linguística para repensar a psicanálise, na aurora dos anos cinquenta do século vinte.  Naquela época, o uso que os pós-freudianos faziam da invenção de Sigmund Freud foi amplamente criticado pelo psicanalista francês. A psicanálise, subversiva desde sua origem com as histéricas, tornara-se, com a Psicologia do ego, uma práxis a serviço da adaptação do indivíduo à sociedade. Paradoxalmente, a psicanálise tornara-se anti-psicanalítica. Em Função e campo da fala e da linguagem, testemunha que: “Podemos acompanhar, ao longo dos anos decorridos, essa aversão do interesse pelas funções da fala e pelo campo da linguagem”. (LACAN, 1953/1998, p. 243).  Lacan não se conformou.

Em sua visão, um retorno ao texto original de Freud tornou-se fundamental para que o saber original sobre o inconsciente e a sexualidade sobrevivesse. A leitura rigorosa e a escuta afinada de Lacan, permitiram que ele encontrasse na obra freudiana o lugar de extrema relevância que o primeiro psicanalista conferiu à linguagem nos processos inconscientes. O esquecimento do nome Signorelli, e a análise desenvolvida por Freud a partir dele, em Psicopatologia da vida cotidiana, é um exemplo paradigmático disto. No âmbito da psicose, ressalta-se o caso Schreber, onde o destaque dado à relação do sujeito com a linguagem é também exemplar.

Como aponta Nadiá Paulo Ferreira (2002),  no campo da linguística, Lacan serviu-se principalmente das contribuições de Ferdinand de Saussure – fundador da Linguística – e Roman Jakobson, um dos fundadores do grupo dos Formalistas Russos e um dos mais proeminentes participantes do Círculo Linguístico de Praga. A autora indica que Lacan não importou simplesmente alguns termos deste distinto campo de saber para a psicanálise, mas que o mestre se apropriou deles, a sua maneira, com o rigor que lhe é próprio.

O conceito de significante, tomado de Saussure, é subvertido na teoria lacaniana. O fundador da linguística, no Curso de linguística geral, ensina que o signo linguístico é produzido pela articulação do significante e do significado. Para definir a arbitrariedade que rege o signo, o linguista, utilizando-se de uma metáfora, diz que a língua é uma carta forçada. “Para ele, uma das funções da língua é a ligação de uma imagem acústica (massa sonora constituída por fonemas) e uma imagem mental (significado)”. (FERREIRA, 2002)

Saussure não abandona a correspondência entre significante e significado, mas privilegia o significante em detrimento do significado. Ainda, estabelece uma diferença: o significante não é a imagem acústica, “em sua essência (…) não é de modo algum fônico; é incorpóreo, constituído, não por sua substância material, mas unicamente pelas diferenças que separam sua imagem acústica de todas as outras”. (SAUSSURE apud FERREIRA, 2002)

Lacan não se apodera da concepção saussuriana de signo e estabelece que não há correspondência –  não há relação – entre o significante e o significado. Sua teoria do significante tem como ponto de partida o algoritmo: S/s. “Significante sobre significado, correspondendo o ‘sobre’ à barra que separa as duas etapas”. (LACAN apud FERREIRA, 2002) Segundo Ferreira, o traço, com valor de barra, privilegia a pura função significante.

“O que isso significa? A estrutura do significante se caracteriza pela articulação e pela introdução da diferença que funda os diferentes. Uma série de consequências são produzidas separando os campos da linguística e da psicanálise”. (FERREIRA, 2002)

 

Para Saussure, os fonemas são a materialidade do significante, e os significantes se organizam segundo duas operações que são idênticas as operações da linguagem: a condensação e o deslocamento, que produzem os efeitos de metáfora e metonímia.

Jakobson, no texto Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia, define a linguagem a partir dos processos de seleção e combinação. A seleção de palavras se dá por similaridade e a combinação pela via da contiguidade. Assim, o efeito de metáfora é produzido pelas relações de similaridade – associação por identidade (semelhança) ou oposição (diferença) –  e o de  metonímia pelas relações de contiguidade – modo de organização ou concatenação das palavras selecionadas, “em que a posição de um significante em relação aos outros determina a produção do sentido”.  (FERREIRA, 2002)

Lacan, apropriando-se das contribuições de Saussure e Jakobson,  estabelece, em seu ensino, as seguintes correspondências com a obra de Freud: metáfora é condensação e  metonímia, deslocamento.

Contudo:

“Para Lacan, ao contrário de Jakobson, não há metáfora sem metonímia e vice-versa. Toda metonímia é efeito de uma operação metafórica interrompida por ação do recalque, assim como toda metáfora é efeito de uma operação metonímica. Essa sobredeterminação se sustenta na produção de uma metáfora inaugural, que é a base, o suporte, dessas duas técnicas do significante que são a metáfora e a metonímia. O Nome-do-Pai, como “o significante que representa a existência do lugar da cadeia significante como tal” (LACAN, 1999, p. 202), é o agente dessa operação”. (FERRREIRA, 2002)

Como enfatiza Ferreira, para que a articulação entre os significantes ocorra, faz-se necessário a existência de um sujeito. O sujeito é definido, no ensino lacaniano, como o que um significante representa para outro significante. Assim, o sujeito do inconsciente, evanescente, é produzido no vazio que há entre os significantes que se articulam em uma cadeia.

A noção de estrutura – utilizada por Lacan para poder diferenciar o funcionamento psíquico na neurose, na psicose e na perversão – é em si uma manifestação do significante, como ensina o psicanalista no seminário 3, as psicoses. Posto que: “Interessar-se pela estrutura é não poder negligenciar o significante”. (LACAN, 1955-1956/2008, p. 215)